quarta-feira, 26 de novembro de 2008

“É...” de novo


Nos bastidores das redações de jornal, há uma historinha recorrente, que costuma voltar à baila quando algum colega anuncia a celebração de seus 20, 30, 40 anos de jornalismo. Diante da notícia da efeméride, quase sempre acompanhada de uma festa ou de outro tipo de homenagem, uma figura experiente se impressiona: ´Nossa, Fulano já tem 40 anos de jornalismo! E eu, quantos será que tenho?´. Ao que um interlocutor responde: ´De jornal, eu sei que são muitos anos. Mas de jornalismo...´.

A lembrança vem a propósito dos 30 anos de jornalismo - não apenas de jornal, ressalte-se - de José Nairton Quezado Cavalcante. O nome na carteira de identidade pode não soar conhecido a muitos, e o próprio homenageado do encontro de amanhã, às 17h, no Ideal Clube, reconhece que não conseguiu, conforme o registro de batismo, encontrar combinação que o satisfizesse para a assinatura. A solução foi dada pelo amigo Guto Benevides, que uniu o apelido de infância ao derradeiro sobrenome. Ficou, assim, Neno Cavalcante. Hoje sinônimo, no Ceará, de jornalismo opinativo com personalidade em conteúdo e forma - seja nas notas breves de sua coluna diária no Caderno 3, ou nos ´drops´ entremeados por vinhetas de seu ´Teveneno´, na TV Diário.

Em comum a ambos, a verve irônica, o gosto pela crítica, o diálogo com o leitor/espectador. Tudo permeado pelo humor bem cearense, responsável pela consagração de bordões hoje indissociáveis da fala do povo. ´Indissociáveis´? ´Ihiii!!! É o novo!´.

Um olhar em perspectiva sobre esses 30 anos de dedicação ao jornalismo está agora disponível em forma de livro. ´Era...´, que tem lançamento amanhã, reúne notas publicadas por Neno Cavalcante com relação ao 30º aniversário de batente. ´Na verdade, agora são 31 anos, porque passei exatamente um ano depois do aniversário, a partir de 13 de agosto de 2007, publicando essas notas, lembrando os 30 anos´, detalha, em papo na redação do Diário, deixando momentaneamente o cantinho onde elabora sua coluna - e de onde literalmente recorre ao soprar de um apito para clamar por silêncio, diante das ´gaitadas´ e conversas em alto volume por parte dos colegas. Inclusive deste redator.

´Foi um ano que passou muito rápido, em meio a tantas lembranças. Quando comecei a publicar essas notas sobre os 30 anos, uma coisa foi puxando outra, as pessoas me lembravam histórias, muita coisa foi surgindo´, acrescenta, sobre a novidade nas colunas, que acabaria por suscitar a idéia da publicação em outro formato. ´O Humberto Cavalcante, presidente do Ideal, me perguntou se eu não pensava em lançar um livro. Eu disse que não tinha essa pretensão. Mas ele insistiu: ´Por que não colocar no livro essas historinhas?´´.

Memórias em croniquetas

Provocação aceita, o resultado são as páginas de ´Era...´, trazendo em notas curtas - ou ´croniquetas´, no gênero apontado pelo professor do Curso de Comunicação Social da UFC Ronaldo Salgado, editor do livro, ex-colega de redação e eterno amigo de Neno, para os textos com os quais o colunista compõe um mosaico de memórias, histórias, opiniões, observações. Quase como um bate-papo oferecido ao leitor, em páginas que rapidamente escorrem pelo olhar - com algumas gargalhadas pelo caminho.

´Reuni as notas que achei mais engraçadas, ou importantes, se é que posso usar esse adjetivo, e acrescentei outras que não tinham entrado no ´período curricular´. Também adaptei um pouco a linguagem pro livro´, diz Neno, que não tem dúvida ao indicar como sua coluna mais importante a publicada após o cerco de policiais a trabalhadores rurais sem-terra, na avenida Bezerra de Menezes, em Fortaleza, em dezembro de 1997. ´Fiz a coluna inteira sobre aquele verdadeiro massacre, e teve uma repercussão muito grande. Foi um episódio muito triste, a polícia pisoteando até os alimentos que os moradores haviam doado, solidários com aquela gente desafortunada´, recorda, para resumir o princípio em que procura balizar sua atividade. ´O jornalismo tem que visar ao bem coletivo, não pode atender a interesses individuais ou de grupos. Você pode até trazer algo que aconteceu com você, mas desde que haja um sentido coletivo, de você falar de algo que afeta outras pessoas também´.

Consciência presente, segundo ele, desde seu início no jornalismo, em agosto de 77, atendendo a convite do irmão, Lúcio Brasileiro, a quem já secretariava no jornal O Povo, para fazer uma coluna sobre ´jovem sociedade´. Em ´Era...´, Neno revela ter hesitado, antes de aceitar a proposta. ´Isso decididamente não tinha nada a ver comigo. Conversei com o meu amigo Maneco (Emmanuel Carvalho Lima, grande sujeito) e ele sugeriu: ´Faça do jeito que ele quer e depois vá impondo o seu estilo´. Peguei corda e já de saída fiz meio a meio´.

Um ano e meio depois, uma outra experiência: a de assessor parlamentar, integrando a equipe do deputado federal Paulo Lustosa. ´A ida pra Brasília me fez passar por um processo de politização maior. Ainda peguei o Congresso em um nível mais alto que o de hoje´, compara, admitindo que a experiência lhe serviu de base para as constantes ´cutucadas´ a parlamentares, já na coluna diária ´É...´, que ele assumiria a convite de Maurício Xerez, aproveitando a sugestão de Ubaldo Solon para batizá-la em referência à famosa peça de Millor Fernandes. E tome ´Vereador, por que o senhor é desse jeito?´. Ilustrando passagens desses 30 anos, entre figuras da política (destaque para Leonel Brizola), da música (de Fagner a Manassés e Alex Holanda), do esporte (de Gildo e Reinaldo a Sérgio Redes e Garrincha), ´Era...´ convida à retrospectiva de uma trajetória que, a depender de seu protagonista, ainda promete muito mais.

30 ANOS
"Era..."
Neno Cavalcante
R$ 30,00
184 páginas
2008
Arte Visual

DALWTON MOURA
Repórter

Nenhum comentário: