Pai:
Está sendo muito difícil morar aqui, ter que conviver com todo esse preconceito, com essa hipocrisia e principalmente ignorância.
É complicado estar perto de uma juventude tão influenciada pela televisão, que contribui para a ignorância e torna alienada a maioria das pessoas.
Ontem não foi a primeira nem a última vez que fui ofendida aqui, tive que ouvir coisas como "é uma vergonha ser nordestino". O pior de tudo é ter que ouvir isso de uma pessoa que não sabe nada do mundo, não conhece a história do seu País e nunca nem mesmo ouviu falar de "movimentos emancipacionistas". Ou seja, sou obrigada a ouvir ofensas de quem nem mesmo sabe porque está ofendendo. Como posso compreender isso?
Queria muito estar cercada de pessoas fundamentadas, pessoaas que não se prendem a preconceitos e nem a coisas tão fúteis, mas eu queria tanta coisa,né?
Uma vez você me disse que eu não posso mudar o mundo. Mas se eu pudesse, pai, se eu pudesse mudar tudo isso, com certeza eu o faria.
Antigamente, na época do Primeiro Reinado, o Brasil estava repleto de revoltas, devido a insatisfações pós-independência. Em todos os cantos havia pessoas reivindicando mudanças. Hoje em dia isso não ocorre, ninguém sabe o que está acontecendo, as pessoas são despolitizadas, conformadas...
É facil "governar" assim. Ninguém conhece, niguém reclama. Os poderosos contam com uma maioria ignorante e eu queria muito mudar isso.
Eu vou tentar, pai, lutar contra tudo isso, porque eu não posso ser feliz assim, não como a maioria, minha consciência pesa e eu não aguento tanto peso.
Lina Cavalcante, 16, em 09.10.1997